quinta-feira, 29 de maio de 2014

Narciso e Eco

Narciso e Eco
Narciso, um jovem de extrema beleza, era filho do deus-rio Cephisus e da ninfa Liriope. No entanto, apesar de atrair e despertar cobiça nas ninfas e donzelas, Narciso preferia viver só, pois não havia encontrado ninguém que julgasse merecer seu amor. E foi o seu desprezo pelos outros que o derrotou.
Quando Narciso nasceu, sua mãe consultou o adivinho Tirésias que lhe predisse que Narciso viveria muitos anos desde que nunca conhecesse a si mesmo. Narciso cresceu tornando-se cada vez mais belo e todas as moças e ninfas queriam seu amor, mas ele desprezava a todas.
Narciso
O nome Narciso (tema narkhé = torpor, como em narcótico para nós) já parece indicar o que sua existência significaria: sua beleza entorpece, atordoa, embaraça a todos aqueles por quem ela é vista. Mas também, por sua ascendência, Narciso tem estreita relação com a ideia de água, escoamento e fertilidade, por parte de pai, bem como mansidão, voz macia e leveza (por parte de mãe). Tudo isso influenciaria sua vida. Vejamos por quê.
Conta-se que, certa vez, Narciso passeava nos bosques. Perto dali, a ninfa ECO, que era uma tagarela incorrigível, acompanhava-o, admirando sua beleza, mas sem deixar que a notasse. Eco, em virtude de sua tagarelice, foi punida por Hera, esposa de Zeus, para que sempre repetisse os últimos sons que ouvisse (por isso, na física, chamamos de eco a reverberação do som). Por sua vez, Narciso, suspeitando de que estava sendo seguido, perguntou: “quem está aí?”. E ouviu: “Alguém aí?” Então, ele gritou novamente: “Por que foges de mim?”. E ouviu “foges de mim”. Até dizer “Juntemo-nos aqui” e ter como resposta “juntemo-nos aqui”. Toda essa repetição acabou deixando Narciso angustiado por desejar amar algo que não poderia ver.
Dessa forma, Narciso entristeceu-se e foi à beira de um lago, onde, de modo surpreendente, deparou-se com sua imagem nos reflexos da água. Como nunca antes havia se olhado (pois sua mãe foi recomendada a não permitir que isso ocorresse), enamorou-se perdidamente, acreditando ser a pessoa com quem estava “dialogando”. Por isso, tentou buscar incessantemente o seu reflexo, imergindo nas águas nesse intento, mas acabou morrendo afogado. A ninfa Eco sentiu-se culpada e transformou-se em um rochedo, vivendo a emitir os últimos sons que ouve. Do fundo da lagoa, surgiu a flor que recebeu o nome de Narciso e tem as suas características.
O mito de Narciso e Eco é, até hoje, estudado pelos psicólogos. Alguns explicam que o alter ego, isto é, o outro que nos completa, é buscado fora de si, mas sempre como um retorno a si mesmo.  Essa compreensão mostra o quanto somos egoístas em relação às nossas necessidades, a ponto de ser possível uma relação entre um mito da Antiguidade e as sociedades de consumo do sistema capitalista de produção. Isso porque nesse sistema vivemos em busca de preencher o vazio libidinal que nos atormenta, redirecionando nossas pulsões sexuais para a satisfação na aquisição de bens. Ora, é essa tentativa de satisfação que promove um individualismo exacerbado no mundo contemporâneo, sendo, por isso, apelidado de sociedade narcisista.

O erro de Narciso

Monalisa aderindo ao Selfie
Acho que todos conhecem a história de Narciso, não? Apaixonado por suas selfies, nada mais fez de sua vida senão contemplar-se no Instagram, até nele mergulhar e morrer. Dizem que isso é mito e muito antigo, coisa de grego. Só se for a parte do mergulhar e morrer (se bem que…) porque, no mais, Narciso segue vivo, firme e forte, com o perfil ativo no Facebook e em todo canto da internet. Narciso, hoje, é legião.
Uma de suas características principais, segundo o filósofo Louis Lavelle, que escreveu um livro a respeito, do qual tomei de empréstimo o título acima, é procurar mais aquilo que o agrada do que aquilo que ele é. Cientistas sociais, psicólogos, especialistas de toda ordem, estudam, pesquisam, analisam, teorizam, discutem, há tempo o narcisismo e as redes sociais, terreno fértil para sua propagação, e seus estudos costumam demonstrar que muitos tendem a se sentir mal, tristes, sozinhos, depressivos, invejosos, quando veem os amigos nas redes sociais publicando fotos de festas, viagens, férias, e por aí vai. Claro, naquele momento, é mais agradável ser eles do que eu.
Parece coisa de adolescente, e é – Narciso, aliás, tinha 16 anos. Mas hoje em dia a adolescência esticada é um fato, e os 16 anos de Narciso devem equivaler aos 42 anos na atualidade. É uma epidemia, portanto.
Seria o caso de perguntar em que ponto o amor-próprio se torna doença e volta-se contra si mesmo. Mas acredito que quando se torna mania publicar selfies logo que consumado o ato sexual (#AfterSex), ou sua variante a mostrar como ficou seu cabelo depois (#AfterSexHair), ou para mostrar sua roupa e expressão facial quando se está num funeral (#funeral), enfim, quando chegamos a isso, algo me diz que aquele ponto já foi ultrapassado faz tempo e falar de limites seria até interessante, mas tão produtivo quanto analisar o pênalti perdido por Zico na Copa de 1986.
Na verdade, embora quando se fale de narcisismo logo venha à mente vaidade, seu significado tem mais a ver com entorpecimento, que vem da origem grega do seu nome, narkhé. E é essa, parece-me, a marca registrada do narcisismo do nosso tempo, que já se fez antigo e, pelo visto, perdurará bastante. Estamos entorpecidos, narcotizados moral e espiritualmente, tanto que dá sono só de ler essas palavrinhas, como se a mera menção despertasse um fiscal chato com a única finalidade de estragar prazeres. É proibido proibir, e beijinho no ombro a quem discorda.
No fim, o destino de todo Narciso é não ser amado, nem por si mesmo, e é essa dor que entorpecemos com nossa fabricada espontaneidade e rígido controle de qualidade da imagem que passamos aos outros nas redes sociais. Como somos parecidos por lá, já reparou? Além de Narcisos, também somos Eco, a ninfa condenada pela deusa Hera a somente repetir o que os outros diziam, por ser muito tagarela. Ela se apaixonou por Narciso, mas não podendo expressar seu amor, terminou sendo rejeitada, isolando-se do mundo nas montanhas, onde se transformou em rochedo, mas continuando até hoje a ecoar, a repetir palavras que parecem, mas não são suas. Por que mesmo você entrou na onda das selfies?

Fonte: Francisco Escorsim, advogado e professor, é coordenador do Instituto de Formação e Educação de Curitiba (IFE). Artigo publicado no jornal Gazeta do Povo (Curitiba)


quinta-feira, 22 de maio de 2014

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Ceticismo



Ceticismo é um estado de quem duvida de tudo, de quem é descrente. Um indivíduo cético caracteriza-se por ter predisposição constante para a dúvida, para a incredulidade.
Pirro de Élis
A terceira filosofia helenística importante, depois do estoicismo e do epicurismo, é o ceticismo. Os céticos acreditavam que não podemos conhecer a verdade. Tudo o que temos são ideias que podem ou não ser verdadeiras.
O primeiro filósofo totalmente cético foi Pirro de Élis, que ensinou que não há nada de que possamos estar seguros. Embora parta da idéia de que não podemos conhecer nada, ele se preocupa com o efeito disso sobre o modo que deveríamos agir.
O ceticismo não pretende ser apenas um meio de criticar as ideias de todos os outros filósofos, pelo contrário, pretende ajudar as pessoas a se acostumarem com o fato de que muito do que acontece está além do nosso controle.
Portanto, o cético questiona tudo o que lhe é apresentado como verdade e não admite a existência de dogmas, fenômenos religiosos ou metafísicos.
O cético pode usar o pensamento crítico e o método científico (ceticismo científico) como tentativa de comprovar a veracidade de alguma tese. No entanto, o recurso ao método científico não é uma necessidade imperiosa para o cético, podendo muitas vezes preferir a evidência empírica para atestar a validade das suas ideias.
O ceticismo sustenta a impossibilidade de chegar a um juízo universal e indiscutível, dada a universal incerteza que envolve a natureza do mundo e do homem. Assim, nenhuma proposição pode ser afirmada sem que também seja possível encontrar provas da proposição contrária. Daí decorre que a única atitude correta a ser assumida pelo filósofo é não ter opiniões, assumindo a suspensão de qualquer discurso afirmativo (epoché).
A epoché cética é a necessária suspensão do juízo que caracteriza sua posição: nem aceitar, nem rejeitar; nem afirmar, nem negar. Ela nasce da consideração de que sempre é possível demonstrar o contrário de cada afirmação e que, portanto, uma proposição nunca pode dizer-se verdadeira em absoluto. Todo saber reduz-se a um opinável ponto de vista.

Fonte: significados.com.br/ceticismo

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quinta-feira, 15 de maio de 2014

Pedro Abelardo (1079-1142)

Filósofo e teólogo escolástico, Pierre Abélard ou Abailard, em latim Petrus Abelardus, nasceu em Le Pallet, perto de Nantes, França, por volta do ano 1079, e morreu no priorado de Saint-Marcel, perto de Châlons-sur-Saône, a 21 de abril de 1142.
Apaixonado desde cedo pela filosofia, estudou lógica, entre 1094 e 1106, em Loches e Paris, entrando logo em conflito com o tradicionalismo de seus mestres. Foi professor em Melun, Corbeil e Paris, ensinando dialética, o que lhe valeu intermináveis perseguições. Popular com os alunos era odiado pelos demais mestres.
Pedro Abelardo
A frase "a dúvida nos leva à pesquisa e através dessa conhecemos a verdade" é um dos princípios de Abelardo que direciona tanto seus pensamentos filosóficos como teológicos. O filósofo parte dessa idéia inicial para formar e fundamentar o seu raciocínio crítico. A dúvida é onde começa o caminho para a pesquisa, é uma frequente interrogação que nos leva a um exame mais aprofundado das questões que nos interessam. Através da dúvida o filósofo Abelardo emprega um caráter científico às suas investigações.
            A dialética é para Abelardo muito mais do que um discurso feito de forma habilidosa, ela é o instrumento que ajuda a distinguir com clareza o verdadeiro do falso. Seguindo regras lógicas ela vai conseguir determinar se o discurso científico é verdadeiro ou é falso. Abelardo pretende utilizar o vigor da dialética nos estudos e nas argumentações teológicas para descobrir quais são os argumentos legítimos e quais são os argumentos não autênticos e através dela fazer prevalecer as verdadeiras doutrinas cristãs. Não é a razão que vai assimilar a fé, mas a fé que vai apropriar-se da razão, pois o discurso filosófico não vai tornar sem efeito o conjunto de sentenças da teologia, mas vai auxiliar no seu entendimento e torná-lo mais fácil de compreender. A filosofia vai ser a mediadora entre as verdades reveladas e o pensamento humano. Segundo a filosofia de Abelardo, não é possível crer nas coisas que não se compreende.
            O método lógico de análise utilizado por Abelardo consistia em estudar a questão filosófica fazendo um exame das partes que a constituem, percebendo assim os diversos pontos de vista incoerentes e contrários. É necessário a realização de uma investigação completa que vai determinar as diferenças entre as argumentações de um tema. A razão vai prevalecer sobre a opinião de quem tem grande entendimento sobre determinado assunto. Abelardo não vai contra a utilidade do pensamento de uma autoridade enquanto não houver meios ou conhecimentos suficientes para se colocar em prática a razão. A partir do momento que a razão encontrar condições de por si mesmo encontrar a verdade, a autoridade passa a ser inútil.
            Abelardo busca fazer uma conciliação, um entendimento, um acordo ou ao menos um diálogo ente os primeiros filósofos, em especial Platão, e as teorias teológicas do cristianismo. Pedro Abelardo acreditava que os primeiros filósofos, mesmo estando fora do cristianismo, buscavam também a verdade através da investigação lógica. Os primeiros filósofos e os filósofos cristãos estão unidos pela razão.
            A essência de Deus é impossível de ser definida, pois ela não pode ser expressa. E não pode ser expressa porque para isso Deus teria que ser uma substância, e Deus está fora de todas as coisas que conhecemos e que possamos vir a conhecer. Para tentar explicar a trindade da pessoa divina Abelardo usa como metáfora a gramática que diferencia quem fala, para quem se fala e o que se fala. Na unidade divina as três pessoas podem ser uma só, pois é possível falar de si a si mesmo. A primeira pessoa é também o fundamento das outras duas, pois se não existir quem fala não existirá também o que se fala e a quem se fala.
Sobre as questões éticas Abelardo afirma que o pecado não é em si a ação física, mas o elemento psicológico dessa ação, ou seja, o pecado é a intenção de pecar e não a ação.

Heloísa

Enquanto professor em Notre Dame, conheceu a bela e culta Heloísa, sobrinha do cônego Fulbert. Convidado por Fulbert, torna-se preceptor de Heloísa. Eles se apaixonam e mantêm uma relação secreta durante os anos de 1117-1119. O escândalo ocorre quando descobrem que terão um filho. Abelardo seqüestra Heloísa, enquanto Fulbert exige o casamento, que acaba acontecendo, mas em segredo, sem que Fulbert saiba.
Abelardo e Heloísa
Sentindo-se enganado, o cônego suborna um criado e outros de seus empregados, a fim de realizar sua vingança. Em certa noite, todos invadem a casa de Abelardo, castram o jovem e fogem. Humilhado, Abelardo se retira, então, para a Abadia de Saint Denis, enquanto Heloísa se torna freira no Mosteiro de Argenteuil. Mais tarde, os agressores foram presos e castigados com a mesma mutilação e com a perda dos olhos, enquanto o cônego Fulbert teve seus bens confiscados e foi desterrado de Paris.
Sem abandonar a filosofia, Abelardo passa a dedicar-se aos estudos teológicos. Escreve o "Tratado sobre a unidade e a trindade divina" ou "Teologia do bem supremo", obra que foi condenada pelo Concílio de Soissons (1121). Obrigado a abandonar a abadia por contestar a identificação tradicional de Saint Denis com Dionísio, o Areopagita (um suposto mártir do século 1 d. C.), fundou com seus discípulos o Mosteiro do Paracleto, que mais tarde doou a Heloísa e suas freiras.
Como abade de Saint-Gildas-de-Ruys, combateu a corrupção e quase foi assassinado pelos monges corruptos. Voltando a ensinar na escola de Sainte Geneviéve, recomeçaram os ataques às suas doutrinas teológicas e viu-se condenado pelo papa e pelo Concílio de Sens. Pretendia apelar para Roma, mas morreu antes de se realizar esse desejo.
Fonte: educação.uol.com.br

                               Filosofia.com.br

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Maniqueísmo

O maniqueísmo era uma heresia cristã fundada no século III d. C. por Manés, que misturava as doutrinas de Zoroastro com o cristianismo. Tinha como pontos centrais em sua doutrina a crença na existência eterna de dois princípios, o bem e o mal, sendo que o bem é o próprio Deus, que domina o reino da Luz, e o mal, as próprias trevas, que é também substância.
Manes (profeta)
Estes dois princípios comunicam a sua substância aos seres, que são bons ou maus conforme a sua origem. Para os maniqueus, houve uma luta entre os reinos da luz e das trevas, no qual os demônios arrebataram partículas de luz. Satanás gerou Adão e comunicou-lhe estas partículas, que seriam as almas dos homens. Deus, para libertar a luz do cativeiro da matéria, criou o Sol, a Lua, os astros e a terra, sendo que esta é de matéria corrompida.
O homem, para eles, é constituído de partes diferentes, cada uma com uma natureza. O corpo é matéria corrompida, oriundo do mal, e o espírito provém de Deus.
Por nove anos Agostinho se dedicou às discussões e à elaboração de pensamento maniqueísta. Graças ao seu interesse e à grande capacidade tornou-se um dos grandes expoentes maniqueus de sua época. Os esquemas maniqueístas pareciam combinar as vantagens da explicação cristã com as vantagens da explicação filosófica. “Os dados de seu (maniqueísta) sistema eram familiares em muitos pontos a um jovem que crescera em um lar cristão. Sustenta-se que Deus é inteira e sumamente bom, incapaz de qualquer mal; reconhece-se o homem como criatura composta, constituída de corpo e alma. A tarefa do homem é procurar o bem; ele só pode ver seu caminho por iluminação divina”.
Santo Agostinho de Hipona
Muitas das proposições de Agostinho nas “Confissões” com relação a Deus e sua natureza parecem vir da experiência maniqueísta. O Saltério Maniquel, texto que expunha as bases das crenças do maniqueísmo, permitiu, com certeza, que Agostinho pensasse filosoficamente certas categorias presentes no cristianismo apenas de maneira superficial. “O maniqueísmo forneceu a Agostinho as primeiras ferramentas experimentais para o auto-exame psicológico”. Após a conversão Agostinho passou a refutar sua experiência maniqueísta, como é evidente nas “Confissões”, onde ele afirma que foi enganado por falsas verdades, nas quais ele inocentemente cria. Apesar disso, as noções adquiridas do contato com o maniqueísmo estão vivas, presentes em toda a sua extensa obra e seriam, por conseqüência, passadas à formulação da fé cristã medieval.
Agostinho retornou a Tagasta, sua cidade natal, em 375 d. C. e ali permaneceu por um ano. De 376 a 383 d. C. voltaria a residir em Cartago, agora como professor. Embora fosse um “dialético” maniqueísta competente e reconhecido, os argumentos do maniqueísmo já não eram suficientes para resolver suas inquietações filosóficas. As explicações através dos mitos cósmicos dos maniqueístas pareciam atrapalhar a descoberta racional de Deus. A última esperança: o grande sábio maniqueu Fausto, que Agostinho há muito desejava conhecer. O encontro entre os dois teve um tom de frustração para Agostinho, pois o “Venturoso” mostrou-se incapaz de responder às perguntas mais profundas sobre a verdade maniqueísta. “O que já me haviam dito foi-me apresentado por ele de uma maneira muito mais suave. Mas como coisas servidas em taças mais ornamentadas saciariam minha sede?”
 O entusiasmo de Agostinho dava sinais de esgotamento. “Agostinho viu-se olhando mais fundo e mais frequentemente em sua alma, e descobrindo sutilezas e complexidades que não eram explicadas pelas cores nítidas primárias da explicação maniquéia”. Sua ida para Roma, em 383 d. C., e a permanência na Itália até 388 d. C. selaria seu afastamento do maniqueísmo.


Fonte: pesquisasparasitas.blogspot.com

quinta-feira, 8 de maio de 2014

A Escolástica: o aristotelismo de Tomás de Aquino

No segundo período medieval, conhecido como Baixa Idade Média, ocorreram mudanças fundamentais no campo da cultura já a partir do século XI, sobretudo em razão do renascimento urbano. Ameaças de ruptura da unidade da Igreja e heresias anunciavam o novo tempo de contestação e debates em que a razão buscava sua autonomia.
Foi assim, no ambiente cultural dessas escolas e das primeiras universidades do século XI, que surgiu uma produção filosófico-teológica denominada escolástica (palavra derivada de escola).

Escolástica

         No período escolástico, a busca de harmonização entre fé cristã e a razão manteve-se como problema básico de especulação filosófica. Nesse contexto, a escolástica pode ser dividida em três fases:
·       Primeira fase (do século XI ao fim do século XII) – confiança na perfeita harmonia entre fé e razão;
·       Segunda fase (do século XIII ao principio do século XIV) – elaboração de grandes sistemas filosóficos, merecendo destaque as obras de Tomás de Aquino. Nessa fase, considera-se que a harmonização entre fé e razão pode ser parcialmente obtida;
·       Terceira fase (do século XIV até o século XVI) – decadência da escolástica, marcada por disputas que realçam as diferenças entre fé e razão.
Além de apresentar o traço fundamental da filosofia medieval, que é a referencia às questões teológicas, a escolástica promoveu significativos avanços no estudo da lógica.
Um problema filosófico que gerou muitas disputas foi à discussão sobre a existência ou não das ideias gerais, isto é, os chamados universais de Aristóteles. Tal discussão ficou conhecida como a questão dos universais, ou seja, da relação entre as coisas e seus conceitos. Na questão dos universais surgiram duas posições antagônicas: o realismo e o nominalismo.
·       Realismo: Os adeptos do realismo sustentavam a tese de que os universais existiam de fato, ou seja, as ideias universais existiam por si mesmas. Assim, por exemplo, a bondade e a beleza seriam modelos ou moldes a partir doa quais se criariam as coisas boas e as coisas belas. Outro exemplo, o substantivo brancura teria uma perfeição maior do que o adjetivo branco, que se refere a um ente singular. Na mesma linha de raciocínio de Platão, o universal brancura seria mais perfeito do que qualquer coisa branca existente.
·       Nominalismo: os defensores do nominalismo sustentavam a tese de que os termos universais, tais como beleza e bondade, não existiriam em si mesmos, pois seriam somente palavras, sem existência real. Para os nominalistas, o que há são apenas os seres singulares, e o universal não passa, portanto, de um nome, uma convenção.

Santo Tomás de Aquino

         A filosofia de Tomás de Aquino (1226-1274) – o tomismo – parece ter nascido com objetivos claros: não contrariar a fé. De fato, sua finalidade era organizar um conjunto de argumentos para demonstrar e defender as revelações do cristianismo.
Santo tomás de Aquino
         Monge dominicano, Tomás de Aquino, utilizou traduções de Aristóteles feitas diretamente do grego. Sua obra principal, a Suma teológica, é a mais fecunda síntese da escolástica. Embora continuasse a valorizar a fé como instrumento de conhecimento, ele não desconsidera a importância do “conhecimento natural”. Se a razão não pode conhecer, por exemplo, a essência de Deus, pode, no entanto, demonstrar sua existência ou a criação divina do mundo. Uma dessas provas é baseada na Metafisica de Aristóteles, quando o movimento do mundo em ultima instancia é explicado por Deus, causa incausada.
         Além disso, tal como Aristóteles, para explicar o conhecimento, Aquino reconhece a participação dos sentidos e do intelecto: o conhecimento começa pelo contato com as coisas concretas, passa pelos sentidos internos da fantasia ou imaginação até a apreensão de formas abstratas.
         No entanto, se a recuperação do aristotelismo revelou-se recursos fecundo no tempo de Tomás de Aquino, no Renascimento e na Idade Moderna a escolástica tornou-se entrave para a ciência. Basta lembrar a crítica de Descartes e a luta de Galileu contra o saber intransigente dos escolásticos, fiéis demais à astronomia e à física aristotélicas e, portanto, avessos às novidades da ciência nascente.   

         Proclamado pela Igreja Católica como Doutor Angélico e Doutor por Excelência, Tomás de Aquino é reverenciado nos meios católicos por filósofo e professor de filosofia.  


Fonte: Filosofando – Introdução à filosofia. Ed. Moderna
           Fundamentos de Filosofia. Ed. Saraiva

segunda-feira, 5 de maio de 2014

A Patrística: o platonismo de Agostinho

No processo de desenvolvimento do cristianismo, tornou-se necessário explicar seus preceitos às autoridades romanas e ao povo em geral. A Igreja Católica sabia que esses preceitos não podiam simplesmente ser impostos pela força. Tinham de ser apresentados de maneira convincente, mediante um trabalho de pregação e conquista espiritual.
Como não poderia deixar de ser, a grande questão discutida pelos intelectuais da Idade Media era a relação entre razão e fé, entre filosofia e teologia. Destacaremos aqui duas tendências filosóficas: a patrística e a escolástica.

Patrística

         A patrística é a filosofia dos chamados Padres da Igreja, que teve inicio no período de decadência do Império Romano, quando o cristianismo se expandia, a partir do século II – portanto, ainda na Antiguidade. No esforço de converter os pagãos, combater as heresias e justificar a fé, aqueles religiosos escreveram obras de apologética, para justificar o pensamento cristão.
         Os Padres recorreram inicialmente à obra de Plotino (204-270), um neoplatônico. Adaptando o pensamento pagão, realizaram uma grande síntese com a doutrina cristã. 
         Na primeira metade do período medieval, conhecida como Alta Idade Média, foi enorme a influência dos Padres da Igreja. Vários pensadores de saber enciclopédico retornaram a cultura antiga, dando continuidade ao trabalho de adequação da herança clássica às verdades teológicas.

Agostinho de Hipona

Agostinho de Hipona
Um dos principais representantes dessa corrente filosófica foi Agostinho (354-430). Agostinho nasceu em Tagaste, província romana situada na África, e faleceu em Hipona, hoje localizada na Argélia. Nessa última cidade viria a ocupar o cargo de bispo da Igreja Católica. 
Em sua formação intelectual, Agostinho, professor de retórica em escolas romanas, despertou para a filosofia com a leitura de Cicero. Posteriormente, deixou-se influenciar pelo maniqueísmo, doutrina persa que afirmava ser o universo dominado por dois grandes princípios opostos, o bem e o mal, em uma incessante luta entre si.
O pensamento agostiniano (de Agostinho) reflete, em grande medida, os principais passos de sua trajetória intelectual anterior à conversão ao catolicismo, quando sofreu a influência do helenismo. Vejamos alguns elementos:
Santo Agostinho e o Maniqueísmo
     ·       Do maniqueísmo o filósofo herdou uma concepção dualista no âmbito moral, simbolizada pela luta entre o bem e o mal, a luz e as trevas, a alma e o corpo. Nesse sentido, dizia que o ser humano tem uma inclinação natural para o mal, para os vícios, para o pecado. Insistia em que já nascemos pecadores (pecado original) e somente um esforço consciente pode nos fazer superar essa deficiência “natural”. Considerando o mal como o afastamento de Deus, defendia a necessidade de uma intensa educação religiosa, com a finalidade de reduzir essa distância.
·       Do ceticismo ficou a permanente desconfiança nos dados dos sentidos, isto é, no conhecimento sensorial, que nos apresenta uma multidão de seres mutáveis, flutuantes e transitórios.
·       Do platonismo Agostinho assimilou a concepção de que a verdade, como conhecimento eterno, deveria ser buscada intelectualmente no “mundo das ideias”. Por isso defendeu a via do autoconhecimento, o caminho da interioridade, como instrumento legitimo para a busca da verdade. Assim, somente o íntimo de nossa alma, iluminada por Deus, poderia atingir a verdade das coisas. Da mesma forma que os olhos do corpo necessitam da luz do sol para enxergar os objetos do mundo sensível, os “olhos da alma” necessitam da luz divina para visualizar as verdades eternas d sabedoria.
Fonte: Filosofando – Introdução à filosofia. Ed. Moderna
           Fundamentos de Filosofia. Ed. Saraiva


quinta-feira, 1 de maio de 2014

A Filosofia Medieval

A colheita na Idade Média
A Idade Média compreende mil anos de história (do séc. V ao XV). O império romano do Ocidente sofreu ataques constantes dos povos bárbaros. Os sucessivos e violentos confrontos, principalmente as invasões germânicas, levaram ao seu esfacelamento. Desenvolveu-se, a partir de então, uma nova estrutura da vida social europeia, que corresponde ao período medieval.
Em meio a todas as mudanças, a Igreja Católica conseguiu manter-se como instituição social. Consolidou sua organização religiosa e difundiu o cristianismo, preservando, também, muitos elementos da cultura greco-romana.
No plano cultural, a Igreja exerceu ampla influência, traçando um quadro intelectual em que a fé cristã tornou-se o pressuposto (isto é, o antecedente necessário) de toda vida espiritual, o que marcou exponencialmente o pensamento filosófico produzido nesse período.

Fé e Razão

A  Criação de Adão, teto da Capela Sistina Vaticano - Michelangelo Buonarroti
De acordo com a doutrina católica, a fé em si mesma seria a fonte mais elevada das verdades reveladas, especialmente aquelas consideradas essenciais ao ser humano e que dizem respeito à sua salvação.
Com isso, toda investigação filosófica ou cientifica não poderia, de modo algum, contrariar as verdades estabelecidas pela fé católica. Em outras palavras, os filósofos não precisavam mais se dedicar à busca da verdade, pois ela já teria sido revelada por Deus aos seres humanos. Restava-lhes, apenas, demonstrar racionalmente as verdades da fé.
Não foram poucos, porém, aqueles que dispensaram até mesmo essa comprovação racional da fé. Foi o caso de religiosos que desprezavam a filosofia grega, sobretudo porque viam nessa forma pagã de pensamento uma porta aberta para o pecado, a dúvida, o descaminho e a heresia.
Entretanto surgiram pensadores cristãos que defenderam o conhecimento da filosofia grega, percebendo a possibilidade de utilizá-la como instrumento a serviço do cristianismo. Conciliado com a fé cristã, o estudo da filosofia grega permitia à Igreja enfrentar os descrentes e derrotar os hereges com as armas racionais da argumentação lógica.

O objetivo era convencer os descrentes, tanto quanto possível, pela razão, para depois fazê-los aceitar a imensidão dos mistérios divinos, somente acessíveis pela fé. Nesse contexto, a filosofia medieval pode ser dividida em dois momentos principais: a patrística e a escolástica.