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Narciso e Eco |
Narciso,
um jovem de extrema beleza, era filho do deus-rio Cephisus e da ninfa Liriope.
No entanto, apesar de atrair e despertar cobiça nas ninfas e donzelas, Narciso
preferia viver só, pois não havia encontrado ninguém que julgasse merecer seu
amor. E foi o seu desprezo pelos outros que o derrotou.
Quando
Narciso nasceu, sua mãe consultou o adivinho Tirésias que lhe predisse que
Narciso viveria muitos anos desde que nunca conhecesse a si mesmo. Narciso
cresceu tornando-se cada vez mais belo e todas as moças e ninfas queriam seu
amor, mas ele desprezava a todas.
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Narciso |
O
nome Narciso (tema narkhé = torpor, como em narcótico para nós) já parece
indicar o que sua existência significaria: sua beleza entorpece, atordoa,
embaraça a todos aqueles por quem ela é vista. Mas também, por sua ascendência,
Narciso tem estreita relação com a ideia de água, escoamento e fertilidade, por
parte de pai, bem como mansidão, voz macia e leveza (por parte de mãe). Tudo
isso influenciaria sua vida. Vejamos por quê.
Conta-se
que, certa vez, Narciso passeava nos bosques. Perto dali, a ninfa ECO, que era
uma tagarela incorrigível, acompanhava-o, admirando sua beleza, mas sem deixar
que a notasse. Eco, em virtude de sua tagarelice, foi punida por Hera, esposa
de Zeus, para que sempre repetisse os últimos sons que ouvisse (por isso, na
física, chamamos de eco a reverberação do som). Por sua vez, Narciso,
suspeitando de que estava sendo seguido, perguntou: “quem está aí?”. E ouviu:
“Alguém aí?” Então, ele gritou novamente: “Por que foges de mim?”. E ouviu
“foges de mim”. Até dizer “Juntemo-nos aqui” e ter como resposta “juntemo-nos
aqui”. Toda essa repetição acabou deixando Narciso angustiado por desejar amar
algo que não poderia ver.
Dessa
forma, Narciso entristeceu-se e foi à beira de um lago, onde, de modo
surpreendente, deparou-se com sua imagem nos reflexos da água. Como nunca antes
havia se olhado (pois sua mãe foi recomendada a não permitir que isso
ocorresse), enamorou-se perdidamente, acreditando ser a pessoa com quem estava
“dialogando”. Por isso, tentou buscar incessantemente o seu reflexo, imergindo
nas águas nesse intento, mas acabou morrendo afogado. A ninfa Eco sentiu-se
culpada e transformou-se em um rochedo, vivendo a emitir os últimos sons que
ouve. Do fundo da lagoa, surgiu a flor que recebeu o nome de Narciso e tem as
suas características.
O
mito de Narciso e Eco é, até hoje, estudado pelos psicólogos. Alguns explicam
que o alter ego, isto é, o outro que nos completa, é buscado fora de si, mas
sempre como um retorno a si mesmo. Essa
compreensão mostra o quanto somos egoístas em relação às nossas necessidades, a
ponto de ser possível uma relação entre um mito da Antiguidade e as sociedades
de consumo do sistema capitalista de produção. Isso porque nesse sistema vivemos
em busca de preencher o vazio libidinal que nos atormenta, redirecionando
nossas pulsões sexuais para a satisfação na aquisição de bens. Ora, é essa
tentativa de satisfação que promove um individualismo exacerbado no mundo
contemporâneo, sendo, por isso, apelidado de sociedade narcisista.
O
erro de Narciso
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Monalisa aderindo ao Selfie |
Acho
que todos conhecem a história de Narciso, não? Apaixonado por suas selfies,
nada mais fez de sua vida senão contemplar-se no Instagram, até nele mergulhar
e morrer. Dizem que isso é mito e muito antigo, coisa de grego. Só se for a
parte do mergulhar e morrer (se bem que…) porque, no mais, Narciso segue vivo,
firme e forte, com o perfil ativo no Facebook e em todo canto da internet.
Narciso, hoje, é legião.
Uma
de suas características principais, segundo o filósofo Louis Lavelle, que
escreveu um livro a respeito, do qual tomei de empréstimo o título acima, é
procurar mais aquilo que o agrada do que aquilo que ele é. Cientistas sociais,
psicólogos, especialistas de toda ordem, estudam, pesquisam, analisam,
teorizam, discutem, há tempo o narcisismo e as redes sociais, terreno fértil
para sua propagação, e seus estudos costumam demonstrar que muitos tendem a se
sentir mal, tristes, sozinhos, depressivos, invejosos, quando veem os amigos
nas redes sociais publicando fotos de festas, viagens, férias, e por aí vai.
Claro, naquele momento, é mais agradável ser eles do que eu.
Parece
coisa de adolescente, e é – Narciso, aliás, tinha 16 anos. Mas hoje em dia a
adolescência esticada é um fato, e os 16 anos de Narciso devem equivaler aos 42
anos na atualidade. É uma epidemia, portanto.
Seria
o caso de perguntar em que ponto o amor-próprio se torna doença e volta-se
contra si mesmo. Mas acredito que quando se torna mania publicar selfies logo
que consumado o ato sexual (#AfterSex), ou sua variante a mostrar como ficou
seu cabelo depois (#AfterSexHair), ou para mostrar sua roupa e expressão facial
quando se está num funeral (#funeral), enfim, quando chegamos a isso, algo me
diz que aquele ponto já foi ultrapassado faz tempo e falar de limites seria até
interessante, mas tão produtivo quanto analisar o pênalti perdido por Zico na
Copa de 1986.
Na
verdade, embora quando se fale de narcisismo logo venha à mente vaidade, seu
significado tem mais a ver com entorpecimento, que vem da origem grega do seu
nome, narkhé. E é essa, parece-me, a marca registrada do narcisismo do nosso
tempo, que já se fez antigo e, pelo visto, perdurará bastante. Estamos
entorpecidos, narcotizados moral e espiritualmente, tanto que dá sono só de ler
essas palavrinhas, como se a mera menção despertasse um fiscal chato com a
única finalidade de estragar prazeres. É proibido proibir, e beijinho no ombro
a quem discorda.
No
fim, o destino de todo Narciso é não ser amado, nem por si mesmo, e é essa dor
que entorpecemos com nossa fabricada espontaneidade e rígido controle de
qualidade da imagem que passamos aos outros nas redes sociais. Como somos
parecidos por lá, já reparou? Além de Narcisos, também somos Eco, a ninfa
condenada pela deusa Hera a somente repetir o que os outros diziam, por ser
muito tagarela. Ela se apaixonou por Narciso, mas não podendo expressar seu
amor, terminou sendo rejeitada, isolando-se do mundo nas montanhas, onde se
transformou em rochedo, mas continuando até hoje a ecoar, a repetir palavras
que parecem, mas não são suas. Por que mesmo você entrou na onda das selfies?
Fonte: Francisco Escorsim, advogado e
professor, é coordenador do Instituto de Formação e Educação de Curitiba (IFE). Artigo publicado no jornal Gazeta do Povo (Curitiba)